20 dezembro, 2009

VERDADE LIBERTADORA - por Jorge Santana

VERDADE LIBERTADORA (I)

Uma passagem instigante do Evangelho de João apresenta um dos eixos do ensino de Jesus: “... conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32). O texto, porém, principia estabelecendo uma condição: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos”... (Idem, ibidem). Assim, o correto entendimento desta mensagem – que a verdade liberta o Espírito – pressupõe o trabalho persistente, atento e minucioso de um discípulo sobre a palavra do Mestre.
Ora, a primeira questão a investigar-se é sobre a própria natureza da verdade. Diante de Pilatos, Jesus declarou, enfaticamente: “Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37). Então, o Governador romano perguntou-lhe, em tom de enfado e descrédito: “Mas, que é a verdade?” (Jo 18, 38). E o evangelista, ressaltando o desinteresse do Governador pela resposta, registrou: “Dito isto, saiu de novo ao encontro dos judeus...” (Id., ib.). A pergunta, porém, ainda hoje continua inquietando as mentes curiosas e desafiando os espíritos sedentos de luz e perfeição.
Ao longo da História, muitas correntes filosóficas buscaram resposta para essa questão crucial e, obviamente, para outras a ela associadas, como, por exemplo, se é possível alcançar a verdade, se há caminho que a ela conduza, se existe meio ou recurso para reconhecê-la etc. O essencial é que o espírito humano não pode renunciar à compreensão do conceito de verdade, porque, entre outras razões, dela depende a consistência e o resultado do seu trabalho evolucionário. Que sentido, que valor, que utilidade haveria de ter a existência humana, caso não estivesse fundada na verdade ou, pelo menos, no pressuposto da verdade?
Independentemente de chegarmos a ela ou não, de a possuirmos inteira ou só em parte, de a conquistarmos definitiva ou só temporariamente, a verdade se nos afigura como a correspondência entre o sujeito pensante e o objeto pensado, ou seja, como a identidade entre a mente e o existente fora dela. O que nos ajuda a situar e mover no mundo é a certeza da possibilidade de sintonia, ainda que parcial e provisória, entre o nosso mundo consciencial ou simbólico e o nosso mundo concreto ou histórico. É sobre tal pressuposto que se ergue toda construção do espírito humano.
Ocorre que essa coerência de mente e mundo pode assumir várias formas: uma, classicamente denominada verdade lógica – quando é a mente que sintoniza com o objeto, isto é, quando apreende o que ele de fato é –, equivale à verdade do conhecimento; outra, chamada verdade ontológica – quando o objeto é que corresponde ao modelo mental, quer dizer, quando o objeto é fiel à concepção esboçada pela mente –, é a verdade inerente ao ser; uma terceira, identificada como verdade moral – quando o objeto fala corresponde ao fato mental, ou seja, o que se diz é o que se pensa –, corresponde à verdade da comunicação ou do comportamento social. Nesse caso, a inverdade, enquanto negação da identidade de consciência e mundo real, também se diferencia em erro (como o inverso da verdade lógica), falsidade (a antítese da verdade ontológica) e mentira (o inverso da verdade moral).
Isso posto, depreende-se a profundidade e a amplitude da mensagem de Jesus. Com efeito, se buscamos, com todo o empenho, a verdade do conhecimento, libertar-nos-emos de todos os erros. O mais importante, porém, é que descobriremos a nossa realidade essencial, o destino autêntico que nos cabe plasmar, com segurança, e o caminho que devemos trilhar, sem risco de desvio.
Por outro lado, se buscamos fazer, no dia a dia, a verdade do ser que a consciência nos aponta como desejável, porque inscrito no projeto ou desígnio divino – “Façamos o Homem à nossa imagem, como nossa semelhança... E Deus criou o Homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou...” (Gn 1, 26-27) – estaremos burilando em nós o ser progressivamente liberto das imperfeições atitudinais e falsidades comportamentais e aproximando-nos do ideal do Espírito puro. Eis a grande libertação nossa: a realização gradativa da plenitude do ser, que somos.
Enfim, se buscamos, em nossa convivência social, pautar nossos atos pela verdade moral, estaremos crescentemente livres de todas as expressões da mentira. Interiormente unificados e, pois, harmonizados e pacificados, contribuiremos, de forma decisiva, para a instauração de um novo mundo de cooperação, solidariedade, amizade e paz entre os homens.
A Doutrina Espírita projeta uma luz poderosa sobre o Evangelho de Jesus. Facilita-nos a decodificação das suas lições. Aponta-nos insuspeitadas vias de acesso às mensagens do Mestre, veladas pelo simbolismo das analogias e parábolas. Derrama em nós abundantes jorros de consolação e esperança. E, acima de tudo, incita-nos à transformação da nossa vida, propondo-nos inovadores padrões atitudinais e novos e criativos critérios de comportamento. Tudo, e sempre, sob o compromisso inarredável com a verdade. Porque vem dela a libertação do Espírito.

VERDADE LIBERTADORA (II)

A verdade do conhecimento liberta o Espírito das ilusões, enganos e erros. A verdade do procedimento – que esculpe o Espírito de conformidade com a imagem por ele desejada e assumida como propósito individual – liberta-o da falsidade, isto é, da distorção do próprio ser, da formação de si mesmo em desacordo com seu projeto. Enfim, a verdade do relacionamento do Espírito com os outros liberta-o de toda mentira.
A Doutrina científica, filosófica e moral Espírita – inspirada e assistida pelo Espírito Verdade, à frente da “invasão organizada dos Espíritos Superiores”, segundo registrou José Herculano Pires, em “O Espírito e o Tempo” – propõe-se a iluminar, transformar e consolar todos aqueles que, consciente ou inconscientemente, buscam a libertação, a paz, a serenidade autêntica. Ela oferece a “caritas” dos primeiros cristãos, isto é, o ágape espiritual, o banquete do alimento do Espírito, interessado na verdadeira vida o encontro que eles organizavam em obediência à determinação de Jesus: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 12).
Em que consiste a iluminação? Na revelação da verdade. O avanço do Espírito principia da curiosidade por des-cobrir o que subjaz às aparências das coisas (os fenômenos). Persiste nas mil e uma tentativas desse des-velamento. E não descansa, enquanto não encontra a evidência ou luminosidade do substrato (ou númeno) em que se apoiam as manifestações da Natureza. Nesse percurso, o pressuposto é que nada se constrói sem uma base sólida. Daí a necessidade da remoção da fluidez das aparências ou, por outra, da retirada do véu que esconde a verdade, na sua vertente lógica. Apenas sobre ela tem o Espírito a certeza de uma progressão segura. Em suma, é pela iluminação acerca do sujeito (o próprio Espírito), do objeto (o mundo) e do absoluto (Deus, transcendendo o sujeito e o objeto) que começa o verdadeiro processo de libertação do Espírito.
A revelação do Espírito, enquanto sujeito, é o autoconhecimento. Descobrir-se pode, a cada um, parecer fácil e imediato. E certamente o é, em se tratando da primeira camada de fenômenos ou experiências do dia a dia. Quantos, no entanto, ultrapassam esse primeiro sedimento e vão além, até o encontro com a sua realidade mais profunda e radical? Quem consegue arrancar todas as suas máscaras (suas “personas”) e dar de cara com a sua verdadeira identidade (sua individualidade)? No entanto, é nesse recinto privativo que mora a verdade de cada um. Aí reside a espiritualidade original, a individuação do princípio inteligente do Universo, a fonte da imortalidade, a vida propriamente dita. A libertação verdadeira exige o desenvolvimento do Espírito, seja na acepção do seu não-envolvimento com a ilusão das aparências e do transitório, seja no sentido do desdobramento das potencialidades inscritas na sua essência e natureza.
O Espírito, porém, não avança, entitativa e eticamente, à margem da relação com o Outro. Ele carece da revelação do objeto, como sua antítese, seu espelho, seu desafio, seu estímulo, seu crítico, mas também seu amparo e mestre. Aberto à comunicação com o Outro, o Espírito não se desenvolve separado dele. Ora, o Outro é o mundo, na sua complexidade: inorgânico, orgânico e, sobretudo, humano. E é nele e com ele que há de transitar, da nesciência e simplicidade originária à plenitude e perfeição do próprio ser. Importa, assim, ao sujeito descobrir esse objeto, que abriga suas oportunidades evolutivas, aos poucos desveladas e progressivamente aproveitadas, ao longo dos seus momentos existenciais. Reconhecer o Outro, como tal, respeitar o Outro, como tal, aprender com o Outro, como tal, e defender o Outro, como tal, constituem o cerne da Ética da Alteridade, sem a qual o Espírito estacionaria, no seu projeto de aprimoramento. E é preciso não esquecer a diretriz do Mestre Jesus: “Sede perfeitos, como perfeito é o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5, 48). Eis o desafio primordial do Espírito, de cuja vitória depende o que experimentará como felicidade verdadeira.
O conhecimento do absoluto sintetiza a revelação da verdade lógica. Com efeito, a descoberta do sujeito apreende a inteligência fluindo no seu âmago. O desvelamento do mundo capta a inteligência nas relações constantes (ou leis) entre os objetos e mesmo no interior deles. Mas, a curiosidade do Espírito somente se aplaca no descobrimento da inteligência, que, necessária, subjaz à contingência do sujeito e do objeto. Essa Inteligência Suprema corresponde não a uma faculdade (ou potência) de entender nem a uma entidade pessoal, senão à lógica geral do Universo e é, por isso mesmo, a razão fundadora, “a causa primária de todas as coisas”, segundo a Doutrina Espírita (Questão nº 1 de “O Livro dos Espíritos”). Essa compreensão sutil, ainda que parcialíssima, de Deus – inalcançável na sua infinitude e transcendência –, preserva-o de todo viés antropomórfico, mantém, nos devidos termos, sua imanência no mundo e serve, por isso, de pedra angular para a firmeza do edifício a ser erguido pelo Espírito.
Da promessa de Jesus – “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32) – deve-se entender que o conhecimento da verdade é o princípio do aprimoramento libertador do Espírito. (Como se costuma dizer, no Nordeste brasileiro, “quem não sabe é como quem não vê... e, então, não é livre, mas refém dos outros, que o conduzem pela mão.”) Daí resulta o dever ético de buscar essa verdade, porquanto há de constituir o referencial diretor das novas atitudes e dos novos padrões de comportamento do indivíduo, empenhado na própria transformação.

VERDADE LIBERTADORA (III)

Conhecer a verdade significa iluminar o caminho, que conduz à liberdade autêntica. Mas, é claro, não se chega a ela sem caminhar na sua direção. Eis porque o Mestre Jesus ensinou: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7, 21). Em outras palavras, não basta a iluminação, a descoberta da verdade, para alcançar a perfeição espiritual, a libertação das amarras impeditivas da purificação do Espírito, sem a qual não se entra no reino eterno (Mt 19, 14; Mc 10, 15; Lc 18, 16-17). Além de conhecer a verdade, é preciso edificar a verdade.
A verdade lógica expressa um referencial de comportamento para o Espírito. Nesse caso, cabe ao comportamento reproduzi-la, no dia a dia, moldando e esculpindo o Ser, concebido logicamente como desejável. Na proporção em que o Espírito se aproxima desse modelo, mais verdadeiro, ontologicamente, se torna. Nisso consiste o processo da sua transformação.
O Espírito se autoesculpe gradativamente, numa sequência existencial, que, bem aproveitada, o vai desvencilhando de laços, dívidas e sombras desviantes do seu projeto de Ser, ao mesmo tempo em que vai desdobrando seu potencial de virtudes dianoéticas, estéticas e éticas e desbastando suas imperfeições e senões. De certo momento em diante, ele se reconhecerá liberto de toda negatividade, o que vale dizer, realizado na plenitude do Ser e, por isso mesmo, gozando da felicidade de Espírito puro.
Esse processo de transformação e desenvolvimento compreende, na prática, a modelagem da verdade das atitudes mentais, do comportamento moral e da vida plena. O trabalho de esculturar a verdade das atitudes mentais transforma os padrões de pensar e obtém como resultado um Espírito sábio, aquele não apenas enriquecido de informações várias e cultura vasta, como, acima de tudo, dotado de discernimento e tal compreensão das coisas, que não se deixa envolver por seus encantos e atrativos. Livre dos erros e enganos, desprendido de toda adulação e sereno nos seus juízos, investiga a natureza profunda dos fatos e objetos, buscando unicamente a verdade, como farol da sua caminhada e orientação dos outros Espíritos com quem convive.
A verdadeira sabedoria, porém, não é arrogante. Conquanto segura das suas conquistas intelectuais, mantém-se aberta a novos e surpreendentes avanços, porque não lhe escapa a evidência da infinidade de dimensões em que se tece o Universo, impossível de serem todas apreendidas por uma consciência solitária. Essa percepção leva, naturalmente, à tolerância, fundamento da Ética da Alteridade, entendida como reconhecimento do outro, respeito ao outro, aprendizagem com o outro e defesa do outro. Além disso, a sabedoria autêntica não se move com sofreguidão. Ao invés, conhecendo o ritmo da Natureza, não se afana, tentando converter os outros aos seus pontos de vista, conquanto identificados com a verdade. O sábio carrega luz em si e não a sonega a ninguém, mas tampouco a impõe a quem quer que seja. A sua maior contribuição é a coerência de atitude e comportamento.
A esse respeito, a lição de Jesus é bastante clara: “Brilhe vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 16). Quer isso dizer que o exemplo, revelador das atitudes assumidas pelo Espírito, constitui o meio mais eficaz de comunicação social do processo libertador. Eis a diretriz para a construção da verdade do comportamento moral. Transformam-se com ela os padrões de agir e de fazer, ou seja, da ética, da estética e da técnica. Iluminado pela mensagem do Mestre Jesus, o Ser em renovação vai, aos poucos, procedendo como autêntico cristão. Assim, o que dá a conhecer externamente é tão só reflexo da sua adesão íntima à mensagem salvadora desse inigualável Missionário de Deus.
A propósito, O Evangelho segundo O Espiritismo (capítulo VIII, item 10) ressalta: “O objetivo da religião é conduzir o homem a Deus; ora, o homem não chega a Deus senão quando está perfeito; portanto, toda religião que não torna o homem melhor, não atinge seu objetivo... A crença na eficácia dos sinais exteriores é nula, se não impede... de fazer mal ao próximo, em que quer que seja. Ela faz supersticiosos, hipócritas e fanáticos, mas não faz homens de bem. Não basta, pois, ter as aparências da pureza, é preciso antes de tudo ter a pureza do coração.”
A transformação mais profunda, no entanto, está ainda por vir. É a que plasma novos padrões de amar, como lindamente cantou o apóstolo Paulo: “O amor é paciente, é benigno. O amor não inveja, não se vangloria, não se ensoberbece. Não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses não se irrita, não suspeita mal. O amor não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade” (1 Cr 13, 4-6). Em síntese, a transformação do Espírito completa-se na dimensão amorosa: ele se liberta de si e incorpora o amor, enquanto adesão, respeitosa e gratuita, ao outro.
Quando alcança esse patamar evolutivo, o Espírito não apenas segue Jesus, o Cristo (o ungido) de Deus. Ele o assimilou e encarna, no seu dia a dia, de tal modo que seus pensamentos, seus sentimentos e seu comportamento são, em tudo, semelhantes aos do seu Modelo, Jesus. Sublimado, o cristão transpira as virtudes de um verdadeiro Espírito crístico e, ao modo de Paulo de Tarso, pode dizer: “... já não vivo, mas Cristo vive em mim” (Gl 2, 20). Nesse ponto de autorrealização, experimenta o Espírito o supremo regozijo da perfeita liberdade, porquanto correspondência com o projeto de Deus: Ser à imagem e semelhança dele (Gn 1, 26).

VERDADE LIBERTADORA (IV)

A verdade liberta o Espírito, no tanto em que o ilumina e, portanto, lhe descobre a realidade das coisas. Mas também o transforma, na medida em que o vai aproximando do modelo de Ser revelado como ideal. Contudo, a descoberta e a edificação da verdade não ocorrem ao indivíduo, sem episódios, por vezes devastadores, de crise, insegurança, inquietude e atordoamento. É quando se faz necessário um consolo. Cabe a este abrir as portas e janelas do coração e da mente à libertação. Não o conseguirá, porém, à margem da verdade moral.
Medo, perda, culpa e mágoa constituem os grandes eixos de desassossego do Espírito, no seu existir e conviver. Até encontrar explicações suficientemente lógicas, que lhe aplaquem a razão, e caminhos confiáveis, que lhe tranquilizem as emoções e estimulem o andar, manter-se-á dividido, imobilizado e preso a esses grilhões. Consolar, nesse caso, é oferecer uma oportunidade criadora de esperança, perdão e serenidade. Não raro, esse alento opera como primeiro instante da libertação espiritual.
Consolação é a comunicação oportuna e amorosa da verdade. É um convite carinhoso a olhar novos ângulos do mundo e da vida. Nesse gesto, pode-se comunicar a verdade na sua inteireza. Pode-se dá-la a conhecer parcialmente. Pode-se apresentá-la “sob o manto diáfano da fantasia”, isto é, sob forma alegórica. O que importa é a transmissão da verdade... E depende de cuidadoso aprendizado fazê-lo de modo proporcional à capacidade estrutural e conjuntural de compreensão e aceitação do outro, a quem é oferecida.
Todos os estados de desequilíbrio vivenciados por um Espírito demandam a assistência consoladora de outro. Nos momentos, por exemplo, de medo, ou tensão bio-psíquica ante uma ameaça (atual ou potencial, real ou fantasiosa, tanto faz), como a perspectiva de um insucesso, a iminência de uma perda, o risco de uma violência, o perigo de morte etc., quanto faz falta uma palavra que levante o ânimo e encoraje! Diga-se o mesmo, nos casos de perda, quer dizer, de ruptura da estabilidade de uma situação de posse: perde-se o emprego, a remuneração, a riqueza, uma relação afetiva, uma referência, a confiança, a esperança... e mergulha-se num túnel de escuridão e desespero. Não menos indispensável é o verbo alentador, quando se está acossado pela culpa, consciência recriminadora do mal feito contra o outro, mediante inveja, traição, calúnia, prejuízo, perseguição, violência, injustiça... Mas também pela mágoa, resposta consciencial de repulsa e revanche ao outro pelo mal dele recebido. Nesses instantes, só uma atitude de afeto generoso aplaca a agonia e inquietação do Espírito.
A primeira consequência do conforto espiritual é o despertar da esperança. Trata-se de um olhar prospectivo, para o qual o futuro não se afigura como fim de linha, pórtico do nada ou punição dantesca. A esperança é a libertação do medo. Anuncia ao Espírito uma progressão desafiante. E dá-lhe a vislumbrar novas oportunidades existenciais, de cujo aproveitamento resultará a libertação dos seus males morais, a eclosão dos seus recursos de inteligência, afetividade e vontade e o aprimoramento criativo do Ser que ele próprio esculpirá. Possibilidades e existências vindouras, portanto, não lhe ocorrerão como condenação e castigo, senão como ensejos de avanço e apuro.
Outra consequência da consolação diz respeito a uma revisão do passado. Esse olhar retrospectivo faculta uma mudança de juízos e valores. O perdão revela-se como a atitude mais razoável, na medida em que corta as algemas de mágoa e de culpa, que imobilizam o Espírito e travam sua caminhada evolutiva. Se é preciso perdoar aos outros (Mt 6, 14-15; 18, 21-22; 18, 23-35; Mc 11, 26; Lc 6, 37; Jo 20, 23) e, nesse caso, libertar-se de toda mágoa, também o é perdoar a si mesmo e, pois, libertar-se de toda culpa. Autoperdoar-se, no entanto, pressupõe: reconhecer o mal feito; renunciar a ele; reparar seus efeitos nos outros; aceitar seus desdobramentos sobre si; e esquecê-lo, para dedicar-se exclusivamente à prática do bem. Esse alento constitui um chamado ao Espírito: que se desligue do que tem em volta e passe a cuidar do que é, no íntimo.
A terceira consequência da informação consoladora reporta-se ao presente vivido pelo Espírito e assinalado por diferentes formas de perturbação. A comunicação, nesse caso, induz a um olhar introspectivo, em busca da recomposição do equilíbrio perdido, da reconstituição da unidade rompida, da conquista da serenidade. Pode-se, então, traduzir a conduta confortadora como a presença afetuosa, aportando lenitivo ao Espírito aflito e desarvorado e mostrando-lhe que a verdade está ao seu alcance, dentro dele mesmo, com as chaves apropriadas para desfazer as algemas, que lhe tolhem a liberdade de compreender a realidade e de agir como convém.
Na sua tríplice dimensão – de ciência, filosofia e moral –, a Doutrina Espírita oferece ao Espírito, que transita pela Terra, em providencial aprendizagem, a consolação, a iluminação e o estímulo à transformação dele. Esses momentos correspondem, respectivamente, à comunicação da verdade (aspecto ético), à revelação da verdade (aspecto lógico) e à edificação da verdade (aspecto ontológico), que, por sua vez, constituem formas de libertação da mentira, do erro e da falsidade. O Ser resultante dessa libertação pela verdade (Jo 8, 32) é o arquiteto da própria perfeição (Mt 5, 48) e, por isso mesmo, da felicidade autêntica.